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Sejam bem vindos. O objetivo deste Blog é informar as pessoas sobre os mais variados assuntos, os quais não se vê com frequência nas mídias convencionais, em especial acerca dos direitos e luta da juventude e dos trabalhadores, inclusive, mas não só, desde o ponto de vista jurídico, já que sou advogado.

sábado, 25 de junho de 2011

Um pouco da história de Roberto Rainha, um advogado perseguido por seu comprometimento com a luta social

Roberto Rainha, é um advogado militante e ativo e extremamente comprometido com os movimentos sociais de nosso país e, por conseguinte, vítima de constante perseguições.

No momento que escrevo esse post, ele continua preso, juntamente com seu irmão José Rainha e ativistas políticos, prisão essa que, tudo indica, é mais um lance na escalada de cirminalização do movimento social e sindical em nosso país.

Abaixo, um texto de 2003, escrito por ele mesmo, quando estava também ameaçado por uma ilegal ordem de prisão, que conta um pouco a sua história.

Adriano Espíndola

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O QUE NÃO FOI DITO NA SENTENÇA

por Roberto Rainha

“O poder acima das pessoas inoculava em seus acólitos o veneno de sua necrofilia, destilado na forma de uma 'consciência' profissional cega aos mais elementares direitos de suas vítimas."
Frei Betto, em Batismo de Sangue: A Luta Clandestina contra a Ditadura Militar, Editora Casa Amarela.


Em 10 de setembro último (2003), véspera de relembrar o trágico atentado terrorista à população da cidade de Nova York, junto com outros advogados que integram o Setor de Direitos Humanos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), estava me preparando para, no dia seguinte, estrearmos no Tribunal do Júri da Comarca de Cerqueira César, SP, na defesa do sem-terra Laurindo Gonçalo dos Santos, acusado de tentativa de homicídio, quando recebi a notícia de que acabara de ser presa em sua residência Diolinda Alves de Souza, condenada por formação de quadrilha ou bando armado, juntamente com outros dez integrantes do citado movimento, entre os quais eu.

Com mandado de prisão contra mim, não pude acompanhar os colegas na defesa de Laurindo, que vitoriosamente foi absolvido da acusação que sobre ele pesava.

Agora, penso na sentença condenatória que me atormenta a vida, que me faz distante da família e dos amigos colegas de profissão. Pensando não só nos remédios e recursos a serem trabalhados, mas, sim, quão desastrosa foi essa sentença para com aquilo que me preparei em longos anos de estudo: exercer a advocacia. Desastrosa assim como a decisão que se consumou no atentado de 11 de setembro, pois interferiu nos direitos mais sagrados dos seres humanos, quais sejam a vida e a liberdade.

Venho do norte do Estado do Espírito Santo, cidade de Vila Valério, à época distrito de São Gabriel da Palha. Naquele longínquo povoado de não mais do que 16.000 habitantes, onde o que se vê em sua volta são os cafezais – principal cultura –, responsáveis pela economia local e um atrativo de mineiros e baianos, que saem de seus Estados para ganhar uns trocados na colheita que acontece nos meses de abril a junho. Sou o sétimo, numa família de dez irmãos, todos filhos da união entre o senhor João Pereira dos Santos com dona Augusta Pereira dos Santos.

De origem extremamente pobre, poderia ter sido um interno na Febem, um traficante, um homicida, um seqüestrador, um mendigo, um andarilho ou quem sabe já estivesse sepultado como indigente, pois esse era e ainda é o possível futuro da maioria de outras crianças que se encontravam ou se encontram em situações análogas à qual eu me encontrava até os 6 anos de vida. Talvez não viesse a ter a oportunidade de nem mesmo escrever este testemunho.

Porém, outra coisa me reservava o destino. Numa tarde do mês de agosto de 1980 chegaram em nosso precário casebre um senhor e uma senhora, procurando por meus pais. Recepcionados, entraram, como não tinha assento na humilde sala, ficaram de pé e passaram a expor o que ali pretendiam.

A Família Rainha
Não ouvi a conversa, pois naquele tempo criança não ouvia conversa de adultos. Estava no terreiro, quando então fui chamado e, sob o olhar carinhoso do casal, recebi de meu pai a notícia de que tal casal queria me levar para morar com eles. Indagado se aceitava, balancei a cabeça afirmativamente.

Recebi de minha mãe uma sacola que continha toda a minha roupa (duas peças, somadas com a do corpo). Em prantos, ela me abraçou e me desejou boa sorte, dizendo que não era para esquecê-la. Despedi-me dos demais irmãos e segui junto com o casal.

Cheguei na casa da família Rainha, no bairro rural de Vargem Alegre. Todos os cinco filhos do casal, já adultos, me aguardavam. Fui recebido com afeto e senti que aquela seria a minha nova casa e aqueles, meus novos irmãos. Não demorei a me adaptar com a nova vida, pois ali tinha tudo que uma criança precisava. Com o tempo, passei a considerar como pai o senhor José Rainha e como mãe a dona Vergínia da Silva Rainha.

Rigoroso na disciplina, mas bom de coração, o velho José Rainha sempre dizia querer para mim um outro futuro, sendo que para alcançá-lo deveria ser obediente, não fazer coisas erradas e estudar muito, pois seu sonho era me ver formado. Um profissional com curso superior.

Assim era e assim eu fazia. Aos meus 16 anos de idade, o velho José teve comigo uma conversa, perguntando se me importaria em mudar de sobrenome. Não me opus. Demos então início ao processo de adoção. No fim deste, o adolescente Roberto Carlos Pereira dos Santos passou a se chamar Roberto Rainha, porém, a alcunha de Carlinhos permaneceu.

Estudei e, com afinco, terminei o 2o grau na Escola Estadual Atílio Vivacqua, de Vila Valério. Meu sonho era fazer o curso de direito, ser advogado, mas nossa condição financeira não permitiu. Mudamos para a cidade de Linhares, onde sem outra alternativa passei no vestibular para ciências contábeis.

Porém, antes de eu concluir o 1o ano do curso, veio o doloroso falecimento do meu velho José Rainha, que, horas antes de falecer, me fez prometer que continuaria com os estudos, dizendo que o que pôde fazer por mim até aquele momento ele havia feito e que, daquele momento em diante, dependeria de mim. Sua morte muito desgostou minha mãe (Vergínia) e a desanimou de continuar na cidade de Linhares.

No velório, entre outros irmãos, estava José Rainha Júnior, que todos chamavam carinhosamente de "Zezinho". Este, sabendo da minha vontade em fazer o curso de direito, me convidou a mudar para o Estado de São Paulo e morar consigo na interiorana cidade de Teodoro Sampaio – Pontal do Paranapanema.

Mais uma vez tive que deixar para trás outra mãe, que em lágrimas se despediu, desejando-me boa sorte.

Prestado o vestibular, iniciei o curso de direito na vizinha cidade de Presidente Prudente. Viajava 240 quilômetros todos os dias – ida e volta –, alimentando o grande sonho meu e do velho José que já se foi. Sem dinheiro para despesas, era com ajudas do irmão e de amigos que rompia as dificuldades.

Durante o curso, presenciei várias prisões arbitrárias de integrantes do MST, entre os quais meu irmão e sua esposa Diolinda. Percebia assim como as leis estudadas na faculdade eram utilizadas de forma desastrosa pelos seus aplicadores.

Ordem de Prisão Ilegal
Percebia também que tudo na vida tem suas razões. Não era à toa que eu estava na segunda região mais pobre do Estado, em que há o maior foco de luta pela terra e onde certos juízes tecem as leis em desfavor dos trabalhadores. Era para defender estes que eu ali estava a estudar.

Estagiando, comecei a acompanhar os vários processos movidos contra os militantes sem-terra daquela região. Não tinha como fazer isso sem estar em contato com o próprio movimento. Com o tempo, o estagiário passou a ser visto de forma vesga pelo Ministério Público e pelo Judiciário de Teodoro Sampaio, como mais um perigoso membro do MST, me denunciando como integrante de um bando ou quadrilha armado. Início de um processo-crime constrangedor, que estava apenas começando.

Concluído o curso, veio o temido exame da Ordem dos Advogados de São Paulo, no qual fui aprovado nas suas duas etapas. Pronto! Agora, já podia dizer que o sonho meu e do finado José estava realizado. Estudei, e finalmente era advogado, tendo como objetivo defender os pobres das misérias processuais.

Sonho este que está sendo tolhido por uma decisão desastrosa, exarada pelo juiz daquela mesma cidade interiorana de Teodoro Sampaio.

Referido juiz me condena por entender que: "O réu Roberto Rainha é o irmão de José Rainha (líder máximo); sendo que de nada adianta tal acusado negar qualquer vinculação com o movimento pois é óbvio que as tem. Vive junto com o líder máximo. É claro que esse esforço tanto desse réu quanto do principal líder José Rainha em lhe dar suporte material é para ter ao seu lado pessoa de mais estreita confiança (irmão) e devidamente instruída".

De novo sou obrigado a deixar minha família, só que agora não é mais para estudar ou trabalhar, mas para não me sujeitar a uma ordem de prisão que considero ilegal.

Preconceito e Ódio
A mesma ordem ilegal que separou a mãe Diolinda de seus dois filhos, João Paulo (9 anos) e Sofia (2 anos), que certamente estudarão e serão profissionais. O que nos leva a crer que estão predestinados a ser denunciados, processados e ao final condenados, eis que se relacionam com os sem-terra, trazem o sobrenome Rainha e moram com José e Diolinda, que lhes darão suporte material, para terem ao lado pessoas de mais estreita confiança (filhos) e devidamente instruídas.

Da mesma forma, se todos os irmãos Rainha tivessem a felicidade de morar juntos, teriam que ser denunciados, processados e ao final condenados, eis que morariam com José Rainha Júnior, e seriam de sua mais estreita confiança (irmãos).

Uma ordem ilegal, proferida pelo mesmo juiz, que várias vezes ignorou o princípio da publicidade dos atos judiciais, tendo o prazer de me expulsar da sala de audiência quando, estagiando, ia assistir a interrogatórios e oitivas de testemunhas. Ora, não havia segredo de justiça. Então, por que eu como estagiário ou como cidadão não podia assistir aos atos do Judiciário que ali se realizavam? Preconceito, ódio ou perseguição contra a minha pessoa, pelo meu sobrenome ou devido ao meu relacionamento com os sem-terra?

Naquela comarca, encontrar um escritório de advocacia para eu fazer estágio não foi possível, pois os advogados de lá sabiam que, ao admitir um estagiário irmão do José Rainha Júnior, dos sem-terra, sofreriam retaliações por parte do juiz sentenciante.

Sou advogado e, segundo a Constituição, essencial para a administração da justiça e para a defesa dos direitos humanos. Não posso ter a liberdade, nem exercer a profissão, pois, condenado por suposta formação de quadrilha ou bando armado, estou com mandado de prisão decretado pela mesma autoridade coatora. Isso tudo porque sou vinculado a um movimento social que luta pela dignidade humana e também porque sou parente e morava com uma pessoa que foi fundamental na minha formação, pessoa esta que me orgulho em chamar de irmão.

Hoje Herói, Amanhã...
Isto não foi dito na sentença condenatória, haja vista quem a proferiu, mas estará registrado na história, testemunha de tantas arbitrariedades. E nesta tenho a honra de ser um protagonista, pois convicto estou de que ao final os trabalhadores ocuparão as páginas ao lado dos homens de bem e aqueles que os coagem serão tidos como os contrários ao direito de sonhar, viver e caminhar.

Hoje, este que nos julga e nos condena pode ser visto por alguns segmentos da alta sociedade com um herói, técnico cumpridor da lei, mas com o tempo os ventos mudarão e ele passará a ser olhado como um exterminador de sonhos. Com insônia, terá que recorrer à psicanálise para tentar livrar-se da culpa.

Roberto Rainha é advogado.