A advogada Mércia Nakashima encontrava-se desaparecida desde o dia 23 de maio de 2010. Seu corpo foi encontrado no dia 11 de junho do mesmo ano, na represa de Nazaré Paulista, no Interior de São Paulo. O principal suspeito do crime é o ex-namorado da moça, o também advogado Mizael Bispo.
Já Eliza Samúdio estava desaparecida desde 4 de junho, quando, segundo testemunhas, deixou um hotel na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio e seguiu para um sítio, no Município de Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), de propriedade do goleiro do Flamengo, Bruno, de quem era amante e com quem afirmava ter um filho. De acordo com amigos da jovem, Eliza teria ido ao sítio do atleta rubro-negro para tentar chegar a um acordo sobre a briga na Justiça a respeito do reconhecimento do filho. No dia 24 de junho, a polícia recebeu denúncias de que a mesma havia sido espancada e morta no citado sítio.
O desaparecimento da advogada Mércia e da jovem Eliza estão sendo intensamente noticiados nos principais meios de comunicação. As notícias, porém, ficam no campo do crime em si, do desenrolar das investigações. As respostas que devemos buscar, contudo, estão no seio desta sociedade, imperada por uma forte opressão silenciada contra a mulher.
Os dois crimes chocam a sociedade pela brutalidade e frieza com que foram cometidos; pela agonia pela qual passaram os familiares das duas moças, a esperança de encontrá-las vivas e, principalmente, pela deficiência e demora da polícia que não parece agir com a devida rapidez, no sentido de solucionar o caso para que os culpados sejam presos.
Mizael, segundo familiares da moça, era rude e agressivo com Mércia, que se tornava outra pessoa, irreconhecível, quando estava junto ao rapaz. Por conta desses fatores, a família de Mércia se posicionava contra o relacionamento, apesar disso a relação durou cerca de quatro anos. Em outubro de 2009, Eliza já registrara na polícia uma queixa de seqüestro, agressão e ameaça, contra o goleiro Bruno. A moça estava grávida e teria sido obrigada a abortar o filho que seria do goleiro e, recusando-se a cometer tal ato, foi dopada e tomou medicamentos que abortivos, os quais, contudo, não surtiram o efeito desejado pelo goleiro. Não é demais enfatizar: Eliza já tinha sido vítima de agressões por parte do goleiro Bruno, denunciando-o à Delegacia de Atendimento a Mulher no Rio de Janeiro. Todavia, Bruno continuou livre e confiante para levar até as últimas conseqüências seus atos violentos contra Eliza.
O sensacionalismo que cerca o noticiário acerca destes dois crimes brutais não quer dizer, a princípio, que a imprensa brasileira, dominada pelos interesses do mercado, esteja necessariamente comovida com os atos de covardia, machismo e o crime maior, a perda da vida, impetrados contra as mulheres.
Certamente, é mais do que legítimo que sejam denunciados através da mídia, atos de opressão e crimes contra as mulheres (e homens) de qualquer classe social. Não podemos deixar de indagar, contudo, quantas Mércias e Elizas não são mortas por seus companheiros, em situações igualmente cruéis e selvagens e que as páginas e vozes da imprensa, qualquer imprensa, deixam passar praticamente em branco. Provavelmente, não vêm, essas tantas outras, de famílias de advogados, pertencentes à classe média, ou têm, como companheiro, o goleiro de um clube da alta elite do futebol brasileiro.
Cotidianamente, mulheres trabalhadoras, mães de família, jovens ou senhoras, solteiras ou casadas, são vítimas do machismo e de todo tipo de exploração, porém, essas situações além de não merecer a atenção da mídia, na maioria dos casos, sequer são denunciadas nas delegacias. O que leva essas mulheres a se recolherem? Vários fatores, a nosso ver: falta de informações sobre seus direitos, por um lado; e falta de confiança nas instituições policiais (inseridas que estão num Estado burguês que avilta sistematicamente esses parcos direitos duramente conquistados); vergonha; e, principalmente, medo, medo de que lhes venha a acontecer o que aconteceu com Mércia e Eliza.
Com efeito, vivemos em uma sociedade, onde homens como Bruno são denunciados por suas companheiras por espancamento, seqüestros, ameaças e não lhes acontece nada, no máximo, vão pagar algumas cestas básicas e depois sair contando vantagem para seus amigos. Vivemos em uma sociedade, onde homens, assim como Mizael, não podem ser preteridos pelas namoradas, pois são machos, caçadores, são eles que ficam por cima e são eles que devem dizer quando a relação acabou.
O que Mércia e Eliza têm em comum? Bem, elas foram vítimas do mais puro machismo propalado por esta sociedade capitalista. É bem verdade que as origens do machismo são anteriores ao capitalismo, encontrando vigência em outras formas de organização social fundadas na propriedade privada e na exploração do homem pelo homem. No capitalismo, contudo, o machismo mostra sua face mais cruel e violenta, pois é reproduzido pela família, escola, religião e, mais ou menos abertamente, através da mídia, da música, dos filmes e novelas, passando, enfim, tudo a ser visto com algo natural e comum.
Entretanto, não podemos aceitar o machismo, pela mistificação da simples condição “Eu sou homem”. Muito pelo contrário, devemos combatê-lo e denunciá-lo diariamente, entre nossos familiares e amigos, assim como devemos encorajar nossas amigas, vítimas de qualquer tipo de opressão, a se dirigirem a uma delegacia. Devemos lutar para que estes homens que cometem atos violentos e agressivos contra as mulheres sejam severamente punidos, devemos lutar por leis que garantam a seguridade das mulheres, pois não podemos permitir que as agressões sofridas pelas mulheres caiam na impunidade e no esquecimentoPor fim, não podemos nos esquecer de que a luta da mulher contra todo tipo de opressão, a luta, em suma, por sua emancipação, se dá no mesmo campo da luta dos trabalhadores. É no palco da luta de classes, que se entrava nossa tarefa maior. Lutar contra esse machismo exacerbado ao qual o homem é também vitimado significa lutar contra a exploração do homem pelo homem, contra a propriedade privada e contra o capital, pois, se é verdade o que certa vez, disse Lênin - “O proletariado não alcançará a emancipação completa se não for conquistada primeiro a completa emancipação da mulher”- a emancipação da mulher só será plenamente conquistada quando plena for a libertação da classe trabalhadora.
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