Assisti na primeira semana do ano ao filme Avatar, escrito e dirigido por James Cameron, famoso por películas como “Titanic” e “O Exterminador do Futuro”, ambas com boas metáforas sobre a condição humana, mas que se perdem diante da estratégia comercial dos filmes.
Este ‘pecado’ também está em Avatar. O fato de já ter sido montado como o filme de maior bilheteria de todos os tempos (será que o mundo vai acabar este ano?) foi prejudicial ao enredo. Em vários momentos, cenas carregadas de efeitos especiais parecem demasiadamente excessivas, mesmo para mostrar a exuberância do planeta Pandora, onde os fatos se desenrolam, ou quando a atuação dos atores é visivelmente prejudicada diante de tanto artificialismo.
A película também está em 3D. Esta dicotomia entre história e efeitos especiais parece que se aprofundou em Avatar devido a toda essa estratégia comercial.
Mas, ao contrário de Titanic e do Exterminador, há em Avatar uma história inovadora, talvez por retratar algo não muito novo na trajetória da humanidade. É a história, independente dos efeitos, o melhor do filme.
O planeta Pandora é povoado por povos originários - os Na'vis- e está em processo de colonização por seres humanos. E assim começa o filme. As referências ao planeta Terra no enredo surgem como um recurso natural esgotado. Já os recursos científicos e tecnológicos da humanidade neste tempo histórico são impressionantes.
Lamentavelmente, o ‘futuro’ ainda mantém uma poderosa indústria de guerra, as relações de exploração e opressão e a destruição da natureza como pressuposto ao desenvolvimento econômico. Isso numa análise sóciopolítico é péssimo, já que induz a ideologia de que a humanidade em perspectiva histórica será sempre capitalista, mas para o enredo do filme, esta humanidade predadora é excelente.
Em filmes assim a maldade e a bondade estão muito bem separadas em papéis. Em Avatar é a humanidade capitalista a representação da maldade. A exceção de Distrito 9, não lembro de outro filme com alienígenas onde estes estejam em condição tão antagônica com os humanos e os humanos estão tão explicitados como o mal. Se bem que os alienígenas da história somos nós, e não eles!
A colonização de Pandora se dar com o objetivo de extrair um poderoso e valioso minério – o fictício unobtanium. Pandora também possui uma alta biodiversidade e povos nativos umbilicalmente ligados à natureza, até no sentido literal, e que atacam constantemente a base militar humana. Já no início do filme, este cenário me fez lembrar o processo de expansão capitalista na Amazônia com seus projetos hidrelétricos, a extração de madeira , o agronegócio e as grandes multinacionais mineradoras em conflito com ribeirinhos, indígenas, quilombolas, seringueiros e outros povos chamados tradicionais.
A atmosfera do planeta é tóxica aos humanos que necessitam usar máscaras. O desenvolvimento de um protótipo dos Na’vís – o povo local – através de um programa chamado Avatar superaria este problema e abriria a possibilidade de uma “pacificação” entre os nativos e os humanos alienígenas. A tecnologia permite o controle mental dos protótipos de humanos conectados em máquinas.
Esta estratégia de humanos travestidos de nativos se infiltrando na comunidade local para convencê-la das boas intenções humanas metaforicamente me pareceu técnicos, ongueiros, e extensionistas e sua relação histórica com os povos do campo; os agentes do FMI e do Banco Mundial nos países pobres do globo ou os políticos do PT e da CUT no interior dos movimentos sociais. Buscam uma “pacificação” por meio de alianças/parcerias, mesmo que para isso signifique o extermínio de culturas, tradições e povos. Embutem a ideologia do inevitável/inexorável como pressuposto para evitar a luta social.
Jake Sully (Sam Worthington) – um soldado paraplégico - é um dos humanos a fazer parte do projeto. Sua participação é acidental. A possibilidade de voltar a andar através do protótipo de um Na’vi o faz vê as novas possibilidades do novo mundo. Sigourney Weaver, a melhor do elenco que não é lá essas coisas, é uma espécie de antropóloga-botânica. Entre os humanos é ela que mais conseguiu avançar no contato com os indígenas. Numa expedição, Jake Sully se perde do grupo ao ser atacado por uma fera local e conhece a nativa Neytiri, surgindo daí uma história de amor.
O romance lembra outras históricas já batidas no cinema, mas os conflitos entre espécies, civilizações e mundos tão antagônicos trazem elementos psicológicos muito interessantes, apesar da atuação do ator Sam Worthington deixar a desejar neste aspecto, ou melhor, os efeitos especiais deixaram a desejar, já que 60% do filme é computação gráfica.
Avatar é uma excelente metáfora do presente. Não considerei um filme ecológico como li em algum lugar e sim um filme sobre os destinos da humanidade onde a natureza é colocada como um dos elementos desta questão. Mas há ainda outros lados muito bem tratados como a possibilidade da humanidade se vê como o estranho, a inexistência de neutralidade nas lutas sociais, a inexistência de superioridade cultural e como é possível aprender com as diferenças. Mesmo quando erra como na batida fórmula do herói branco do norte capaz de coisas pra lá de espetaculares, Avatar trás reflexões.
Impossível não comparar um dos momentos mais dramáticos do filme, quando os reais planos dos humanos vêem a tona e os argumentos de uma negociação mediada caem por completo. Os efeitos especiais nesta parte foram muito bem usados e analogicamente lembram Gaza ou Bagdá sendo bombardeadas por Israel ou Estados Unidos, diante da brava resistência. Também é impossível não pensar no choque dos grandes projetos na Amazônia que quase dizimaram os paranás no norte do Mato Grosso quando da abertura da BR-163 e os gavião durante a construção da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.
Bom para lembrar ainda que assim como os Na’vís, hoje há uma brava resistência de comunidades na Gleba Nova Olinda e na Resex Renascer contra e extração de madeira e de indígenas e ribeirinhos do Xingu contra a hidrelétrica de Belo Monte, todos exemplos aqui no Pará mas que podem ser ilustrados mundo a fora. Porém, há ainda muitos humanos travestidos de Na’vis, lobos em pele de cordeiro, levando grupos inteiros à completa derrota e perda de sua identidade cultura e material.
Estas possibilidades de reflexão salvam Avatar e tornam o filme bom para ser assistido e debatido.
Cândido Neto da Cunha, 21 de janeiro de 2009, do blog Lingua ferina, clique aqui para acessá-lo .
Postado por Cândido Cunha às 21.1.10
Um comentário:
Compa,
Valeu pela reprodução. Abração
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