Amigos e amigas,
O último 09 de julho marcou os 30 anos da morte do grande Vinicius de Morais. Releiam matéria publicada, em 2005, pelo Opinião Socialista, sobre o “poetinha”.
Adriano Espíndola
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Vinicius, velho, saravá”
O documentário “Vinicius – quem pagará o enterro e as flores se eu morrer de amores?” é quase uma ficção, quase uma peça teatral, quase um show, quase um poema. Dirigido por Miguel Faria Jr. e produzido por Suzana de Moraes, filha do poeta, o filme, atualmente em cartaz nos cinemas, mostra como se constrói esse Vinicius hoje conhecido e amado por velhas e novas gerações.
O poeta Ferreira Gullar afirma em seu depoimento que “pouco a pouco, ele vai se convertendo em Vinicius de Moraes”. O filme mostra como o Vinicius jovem, poeta parnasiano, estudante de Direito, diplomata engravatado, abandona essas formalidades e se transforma no músico popular, boêmio, que abre as portas de sua casa para que entrem os amigos, o uísque, o riso, a música. Miguel reafirma essa transformação de Vinicius no site oficial do filme: “Aos 24 anos ele era um integralista e fazia sonetos parnasianos. Aos 60 anos era um hippie desbundado.
Vinicius viveu o raro privilégio de ficar jovem com a idade”. A aproximação com a música popular e com a cultura negra lhe rendeu o apelido de Poetinha, pois os críticos o consideravam um poeta de menor importância. A História encarregou-se de reverter esse conceito.
O formato do filme relembra os primeiros shows de Vinicius. Sobre um palco à meia-luz para uma pequena platéia fictícia, Camila Morgado e Ricardo Blat declamam poemas e cartas e contam a história de Vinicius. Entre as aparições dos atores e os depoimentos e imagens, apresentam-se nesse mesmo palco artistas como Yamandú Costa, Adriana Calcanhoto, Olívia Byington, Mariana de Moraes, Mart’Nália e Mônica Salmaso cantando, reinventando e remoçando as composições do grande Poetinha. O documentário também apresenta depoimentos de Chico Buarque, Ferreira Gullar, Carlos Lyra, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Toquinho, entre outros grandes amigos de Vinicius. E tudo no filme flui como numa conversa de amigos em mesa de bar.
O branco mais negro do Brasil
Alguns momentos revelados são marcantes na vida de Vinicius e na própria história da música e da arte brasileira. Um deles foi quando Vinicius, em 1956, lançou na peça “Orfeu da Conceição” um diálogo entre o erudito e o popular, cuja adaptação para o cinema, “Orfeu do Carnaval”, dirigida por Marcel Camus, ganhou o Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1959 e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. “Orfeu da Conceição” também foi o início de sua parceria com Tom Jobim.
Outro momento retratado pelo filme é o lançamento do disco “Canção do amor demais”, em 1958, que trazia a música “Chega de Saudade”. No disco, as músicas de Tom Jobim e Vinicius são tocadas por João Gilberto e cantadas por Elizete Cardoso. “Chega de saudade”, como explica Chico Buarque no filme, é algo diferente de tudo antes visto. Nascia a Bossa Nova, que mesclava elementos do samba e do jazz.
O documentário mostra como, em 1962, ele conhece Baden Powell. A partir daí, Vinicius afasta-se da Bossa Nova e envereda-se pelos afro-sambas, compondo em parceria com Baden canções como “Canto de Ossanha” e “Berimbau”.
Em uma das cenas de arquivo mostradas no filme, Elizete Cardoso canta “Eu não existo sem você” acompanhada por João Gilberto; no filme “Pista de Grama”. Em outra, aparece o próprio Vinicius cantando seu “Canto de Ossanha”, no filme “Les Carnets Brésiliens”, de Pierre Kast. Mas o melhor fica por conta dos depoimentos de amigos, com detalhes de como Vinicius ria com todas as partes do corpo, ou sobre como o uísque era seu companheiro, sobre como ele se apaixonava perdidamente tantas e tantas vezes, pois, como conta Tônia Carrero, “ele precisava do precipício da paixão”, e essa era a fonte de seus versos.
O poeta disse Não
Muitas coisas não cabem nas duas horas de filme. Cada espectador poderá se lembrar, por exemplo, de poemas preferidos que poderiam estar lá. Isso não diminui o filme, mas mostra que esse poeta é maior que qualquer filme.
Uma das ausências é o fato de que Vinicius também foi perseguido pela ditadura militar brasileira, como outros artistas da época. Após a promulgação do AI-5, em 1968, Vinicius é aposentado compulsoriamente da carreira diplomática. Em 1970, inicia sua parceria com Toquinho, com quem viaja para a Itália em 1971. Eles chegam a retornar ao Brasil e fazem alguns shows, mas acabam ficando muito mais tempo na Europa nos anos seguintes, por causa das perseguições do regime militar.
Outra coisa importante foi que, em seu retorno ao Brasil, Vinicius participa do 10 de Maio de 1979 no ABC paulista, a convite do então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. O poema apresentado por ele é o belo “Operário em Construção”. Sobre aquela leitura, Gilda Mattoso, uma das viúvas do poeta, em uma carta apresentada no encarte de um CD em homenagem a Vinicius, lembra: “poucas vezes senti você tão cheio de emoção e orgulho como naquela longínqua tarde quente, lendo sua poesia para a multidão respeitosa e comovida de trabalhadores”. Vinicius não viveu para ver o que se tornaria o mundo, o Brasil e, o agora presidente, Lula.
Melhor viver do que ser feliz
Miguel Faria Jr. não pretendia fazer algo biográfico. Ele se concentra na poesia e na personalidade do poeta, fala com naturalidade e sem medo sobre as mulheres e a embriaguez de Vinicius. Mostra, sobretudo, como ele foi um artista que cantou a vida, pois teve a audácia de vivê-la. Ele mesmo dizia que “é melhor viver do que ser feliz”.
Dos amigos que aparecem na tela prestando homenagens, relembrando momentos, fica a imagem do Vinicius companheiro, apaixonado e apaixonante. E a platéia sai do cinema se achando amiga de Vinicius, com o mesmo sentimento de Toquinho e Chico Buarque ao escreverem, em canção dedicada ao amigo: “A vida é pra valer, a vida é pra levar. Vinicius, velho, saravá!”.
Fonte: site do pstu
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