Primeiro caso comprovado de trabalho análogo à escravidão que ocorre em um ambiente urbano: Rede Marisa é autuada por trabalho irregular .
Fiscais encontram bolivianos em condições consideradas análogas à escravidão em oficina ligada à empresa, que contesta a punição. Além da Marisa, autuada em R$ 634 mil pelo Ministério do Trabalho, outras três grandes redes de varejo estão sob investigação.
A Marisa, uma das maiores redes de roupas do país, foi autuada em R$ 633,67 mil pelo Ministério do Trabalho (MTE) em São Paulo, após auditores fiscais do trabalho encontrarem funcionários estrangeiros em condições consideradas análogas à escravidão em oficina que presta serviço à rede.
Trabalho análogo ao de escravo é aquele em que a pessoa é submetida a condições degradantes, como jornada exaustiva (acima de 12 horas, como prevê a lei), servidão por dívida (tem a liberdade cerceada por dívida com o empregador) e corre riscos no ambiente de trabalho.
A Marisa tem até amanhã para apresentar defesa. A rede discorda da autuação e diz que não tem responsabilidade sobre as condições de trabalho em empresas subcontratadas por seus fornecedores diretos. A oficina fiscalizada é a quarta na etapa de terceirização do processo produtivo da Marisa.
No entender do Ministério do Trabalho, a empresa tem responsabilidade. Para responsabilizar a loja, os fiscais informam que se basearam em um conjunto de provas que mostra que a Marisa tem controle de todos os processos da cadeia produtiva e que ela utilizou empresas interpostas para não contratar diretamente os trabalhadores estrangeiros.
O Grupo de Combate à Fraude e à Terceirização Irregular do MTE entregou 43 autos de infração à loja no dia 10. Os autos detalham condições degradantes no ambiente, na segurança e na saúde do trabalhador constatadas na oficina GSV, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo.
A fiscalização foi feita em 18 de fevereiro por uma equipe de cinco fiscais, após denúncia do Sindicato das Costureiras.Da autuação de R$ 633,67 mil, pouco mais da metade (R$ 394,03 mil) se refere a valores sonegados de FGTS dos 18 trabalhadores -17 bolivianos e um peruano- que não tinham carteira assinada.
A Marisa foi notificada para registrá-los e deve fazer a rescisão de contrato de cada um deles no dia 5 de abril. Terá de pagar verbas rescisórias (férias, FGTS, 13º salário), como determina a lei.
"É o primeiro caso comprovado de trabalho análogo à escravidão que ocorre em um ambiente urbano. A Marisa tinha conhecimento desse problema e já vinha sendo alertada pelos órgãos públicos desde a CPI do Trabalho Escravo, feita pela Câmara Municipal de São Paulo em 2007", diz Renato Bignami, chefe da Seção de Fiscalização do Trabalho Substituto.
Os fiscais estimam que de 8.000 a 10.000 oficinas da Grande SP, que empregam entre 80 mil e 100 mil sul-americanos, também exploram mão de obra de forma irregular.
O MTE considera que, apesar de a legislação não ser "explícita" para autuar a rede, há decisões na Justiça que têm indicado que as empresas podem ser responsabilizadas se no processo produtivo ficar constatado o vínculo de emprego com a empresa principal.
"A Marisa está sendo responsabilizada diretamente porque a fiscalização identificou que existe uma cadeia produtiva fraudulenta para mascarar as relações de emprego dos bolivianos. Na oficina GSV, foram encontradas blusas com etiquetas da Marisa, notas fiscais [das subcontratadas] e, no dia da fiscalização, constatamos que ela estava trabalhando com exclusividade para a rede", diz. Bignami.
Em um relatório de 151 páginas encaminhado à Secretaria de Inspeção do Trabalho, em Brasília, os fiscais pedem que a Marisa seja incluída na chamada "lista suja" do MTE. Essa lista é uma forma de divulgar proprietários rurais e empresas que tenham sido flagrados com empregados em situação análoga à de escravo.
Outras redes de varejo que usam o mesmo sistema de terceirização da cadeia produtiva de costura também estão sendo investigadas. "Há indícios de outras situações idênticas à constatada na Marisa nas redes C&A, Renner e Riachuelo", diz Bignami. As três redes, porém, dizem que cumprem a lei.
Fonte: Folha de São Paulo, por Claudia Rolli e Fátima Fernandes, 18.03.2010
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