Diego Cruz, da redação
Literalmente acuada pelos protestos que irromperam em todo o país em junho, a presidente Dilma foi obrigada a dar uma resposta. Primeiro, foi à TV em rede nacional. Depois, convocou uma reunião com governadores e os prefeitos das capitais, abrindo ainda uma série de encontros com representantes sindicais e de movimentos sociais, que nunca havia recebido até então. Até mesmo com o cantor Roberto Carlos a presidente se reuniu nesses dias.
Porém, a despeito de tantas reuniões, a única coisa concreta que Dilma fez após os protestos foi reafirmar a sua política econômica. Não foi à toa que, nos “cinco pactos” anunciados pela presidente ,o primeiro tenha sido justamente o compromisso com a “responsabilidade fiscal”, ou seja, com o pagamento dos juros da dívida pública em detrimento dos investimentos em saúde e educação.
Se o governo não se dispõe a mudar a política econômica e sabe que, assim, nada vai mudar, e ao mesmo tempo a população insiste em continuar indo às ruas, o que fazer? O marqueteiro de Dilma, João Santana, tem a resposta. Por que não fazer um plebiscito sobre reforma política? Assim, a população sente que está sendo ouvida e, mais que isso, decidindo os rumos do sistema político do país. Uma das principais reivindicações nas ruas não é o fim da corrupção e o rechaço à classe política? Seria a resposta perfeita.
Truque
A proposta de plebiscito, porém, não passa disso: um truque de marqueteiro para distrair a atenção das verdadeiras demandas colocadas nas ruas. Se a disposição é o de “ouvir as ruas”, por que não uma consulta popular sobre os 10% do PIB para a educação? Ou sobre o leilão do petróleo, ou ainda a reestatização das empresas privatizadas? Porque o governo Dilma não quer que a população decida sobre as questões fundamentais que possam significar alguma alteração da atual política econômica.
Um argumento ainda é o de que a reforma política seria a base para todas as outras, já que constituiria uma pré-condição para termos “melhores políticos” e, em consequência, melhores governantes. O dirigente da Consulta Popular, Ricardo Gebrim, é capaz de ir até mais longe ao afirmar que Dilma “audaciosamente lança uma proposta política a um movimento de reivindicações econômicas!”
Gebrim fala como se as bandeiras colocadas pelas ruas exigindo saúde, educação, transportes e demais serviços públicos de qualidade, ao mesmo tempo em que atacam os gastos da Copa, fossem meramente “econômicas”. E aí viria Dilma e “politizaria” o debate, propondo algo superior. Mas qual o conteúdo dessa proposta? É colocar em votação questões como lista fechada para as eleições ou o voto distrital, que aliás sempre foi programa de partidos da direita, como o PSDB.
Num momento em que algo como dois milhões foram às ruas questionando diretamente, ainda que não conscientemente, os efeitos da política econômica imposta ao país nas últimas duas décadas, o governo quer fazer um plebiscito para decidir se a população vai votar para deputado através de lista ou nominalmente. Se vai eleger deputado por distrito ou se vai continuar sendo por estado. Isso seria “politizar”?
A reforma política colocada nos termos do Governo Dilma nem ao menos serviria para melhorar a “qualidade” dos políticos. Ou alguém acreditaria que, caso estivessem em vigor as medidas colocadas no plebiscito, não estaria ocorrendo hoje o escândalo da farra dos aviões da FAB (Força Aérea Brasileia)?
Houvesse um real esforço para tornar o sistema político mais democrático, as perguntas que estariam no plebiscito seriam: “Você concorda que um parlamentar deveria ganhar o mesmo que um professor da rede pública?” Ou então: “Você concorda que a população tem o direito de revogar qualquer mandato, a qualquer momento?”. Questões que, claro, não vão estar lá.
Sem apoio, Dilma recorre às centrais
Dilma foi obrigada a recuar da proposta de constituinte em menos de 24 horas, mas a questão do plebiscito também não está sendo fácil. A oposição de direita, evidentemente, é contra a medida mesmo que ela tenha muitos pontos em comum com seu programa. A prioridade é desgastar o governo para capitalizar em 2014.
Já a base aliada do governo, porém, também não recebeu a medida de braços abertos. Sabem que o plebiscito é uma tentativa de jogar a crise política no colo do Congresso. O PMDB , maior partido da base, chegou a propor que o plebiscito incluísse questões como a redução do número de ministérios e o fim da reeleição, numa clara retaliação a Dilma.
A presidente, por sua vez, resolveu buscar nas ruas o apoio que lhe falta no parlamento. E recorreu aos aliados de sempre do Planalto. Entidades como a CUT, UNE e, lamentavelmente, o MST, se comprometeram a defender nas mobilizações, incluindo a jornada de lutas do dia 11, a bandeira do “Plebiscito Já”.
Apoiar o governo ou se enfrentar com ele?
As manifestações multitudinárias que tomaram conta do país em junho colocaram os governos contra a parede e conquistaram a revogação do aumento das tarifas em pelo menos 59 cidades do país. Segundo a Folha de S. Paulo, 70% da população das grandes cidades se beneficiaram da redução das passagens. Além disso, o Congresso Nacional rejeitou a PEC 37 e arquivou o projeto de “cura gay”, além de estabelecer a corrupção como “crime hediondo”.
Essas conquistas se deram por um motivo: os protestos se enfrentaram com os governos, que foram obrigados a recuar. Não foi por acaso que a popularidade de Dilma tenha despencado no mês passado. A política da direção da UNE, CUT e MST, pressupõe, em essência, fortalecer o governo Dilma. É uma marcha inversa do que faz o povo nas ruas.
Só haverá de fato conquistas se houver uma derrota do governo. O ministro Guido Mantega, por exemplo, acaba de anunciar um corte de R$ 15 bi do Orçamento para cumprir a meta de Superávit Primário (economia para pagar juros da dívida), ao mesmo tempo em que se anuncia novo aumento dos juros. A economia, por sua vez, ameaça uma nova recessão já para este ano.
As ruas apontam um sentido. O de mais verbas para a educação pública, saúde e transportes. Melhores salários, menos inflação e mais empregos. O Planalto aponta outro. O de mais cortes, recessão, precarização dos serviços públicos. O plebiscito de Dilma é a encruzilhada. Qual o caminho que CUT, UNE, MST tomarão?
Artigo publicado no Opinião Socialista 463
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