por Celso Lungaretti
É estranho como o autoritarismo está entranhado nas pessoas, mesmo nas que se dizem de esquerda: os leitores do site Vi o Mundo, do Luiz Carlos Azenha, ficaram em peso a favor da decisão do Gilmar Mendes, no caso de Sean Goldman.
Tomaram as dores do pai, que, no entender deles, merece a felicidade de recuperar seu filho. E, em nenhum momento, levaram em conta uma questão singela: mas, será essa a melhor solução para o Sean?
Afinal, ele tem nove anos e, com certeza, gostaria de dizer algo sobre a decisão do seu destino. Em nenhum momento lhe permitiram isto.
O que o ministro Marco Aurélio Mello determinou foi, única e tão somente, que se desse a Sean o direito de expressar seus sentimentos, ao final do recesso do STF. Ele não decidiu coisa nenhuma. Apenas, deu voz ao menino. Depois de ouvi-lo, os ministros do STF bateriam o martelo.
Aí chegou um senador atrabiliário dos EUA, ameaçando os exportadores brasileiros com um prejuízo de US$ 3 bilhões. E o Gilmar Mendes correu a capitular ante o ultimato do gringo, para que parasse de embargar a prorrogação por mais de um ano do acordo de isenção tarifária.
Eu acho inominável que a mais alta corte brasileira decida sob pressão. Será que perdemos até a mais ínfima noção de dignidade nacional?! Hoje nos prostituímos por US$ 3 bilhões. Mas, como foi fácil demais ganhar de nós no grito, o michê cairá. Logo vai ser qualquer punhado de dólares.
É claro que esse drama não passou uma sucessão de erros. Mas, a esta altura, o garoto já não pode ser ignorado como um incapaz, um mero tutelado, um simples joguete de decisões alheias. Sean já viveu tempo demais entre gente calorosa e efusiva. Não merecia ir para onde a vida se resume à corrida atrás da grana.
BLOOD ON THE TRACKS
De resto, os que reclamaram da minha "insensibilidade" , certamente ignoram que já passei por situação semelhante à do pai do Sean.
A lerdeza da Justiça brasileira, infelizmente, impediu que eu recuperasse a guarda da minha filha, que me foi subtraída em condições quase idênticas.
Depois de um trâmite exasperantemente moroso, o julgamento ocorreu duas semanas após eu ter perdido um emprego que mantinha há uma eternidade.
Desempregado aos 53 anos, é claro que juiz nenhum me concederia a guarda. Tratei de salvar os dedos, já que perdera os anéis: negociei o melhor esquema de visitas para mim. E saí do tribunal em frangalhos.
Aos poucos, refletindo sobre tudo que ocorrera, cheguei à conclusão que era melhor encarar esse desfecho bizarro como o veredicto do destino. Desisti de trazer minha filha para junto de mim, passando a esperar que, um dia, ela mesmo escolhesse ficar comigo.
Quando resolvi andar para a frente de novo, ao invés de passar dias e noites amargurado com a injustiça que sofrera, acabei consolidando uma nova relação, que se revelou duradoura.
Hoje estou casado e sou pai de outra menina, um anjinho de um ano e oito meses.
Enfim, colocamos filhos no mundo para que sejam felizes. É a felicidade deles que devemos priorizar, não a nossa. Há uma diferença.
Hoje percebo claramente que minha filha mais velha estaria muito melhor comigo, em todos os sentidos. E noto também que, mesmo assim, ela não tem consciência disso e prefere a vida à qual já se habituou, ao lado da mãe e de uma meia-irmã mais nova.
Está chegando à idade de oito anos. E eu respeito sua opção errônea. Ainda que fosse facílimo para mim, não recorreria à Justiça de novo, tentando mudar essa situação.
O caso do Sean é um tanto parecido. Afastado do pai há cinco anos, tendo perdido a mãe há 1,5 ano, construiu uma nova rede de afetos, com os parentes maternos e a irmãzinha. E ela está prestes a ir pelos ares.
Sua vida sofreu uma reviravolta drástica quando foi separado do pai; outra, quando a mãe morreu; e vai sofrer uma terceira agora, porque o Gilmar Mendes colocou os interesses dos exportadores na frente dos dele.
Acabará entrando em parafuso; é candidato certo aos divãs dos psicanalistas.
Gilmar Mendes tem o toque de Sadim (Midas ao contrário): transforma ouro em... vocês sabem o quê.