Luis G. Santos não é militante. Nunca foi. Tampouco participou das manifestações contra o aumento das passagens (pelo menos até ontem). Ele é um jovem universitário que assistiu à violência policial e ao momento de exceção que São Paulo viveu ontem. Leia este excelente relato.
"Os homens de farda sorriam entre si e nos olhavam como cães."
NÃO SÃO 20 CENTAVOS, É A SUA LIBERDADE!
por Luis G. Santos
Este é o meu primeiro ato de manifesto em muito tempo. Por algum motivo tenho me calado mais do que costumava, até mais do que deveria. A experiência que tive hoje, como espectador da violência institucional, reafirmou em mim um espírito moribundo há algum tempo.
O que vi nas ruas de São Paulo, dentre os destroços deixados pela polícia, foi um vislumbre de esperança, uma beleza que pairava no ar e felizmente vencia o que sobrou de gás lacrimogênio que irritava meus olhos e narinas. Não participei da manifestação, e devo admitir que me arrependo disso. Cheguei a Av. Paulista e tudo parecia normal, me pergunto apenas quando foi que os brasileiros aprenderam a manter as aparências como os ingleses. Mas no ar ainda havia cheiro de queimado, resquícios de gás e um certo tipo de medo que desconhecia até então.
Estávamos em três, dois homens e uma mulher, ela ficou na única entrada aberta do metrô, eu e ele voltamos a andar, fomos em direção a nossa faculdade onde encontramos um grupo de alunos que haviam participado da manifestação e um tropa da polícia militar, parada do outro lado da avenida atrás de uma barreira formada por suas motos. Os homens de farda sorriam entre si e nos olhavam como cães. Controlavam nossos movimentos como quem suspeita de criminosos, ignorando a óbvia possibilidade, e a verdade, de que éramos apenas universitários, saindo e entrando de nossa faculdade como nos garante o direito constitucional.
Subimos até a nossa sala de aula na esperança de encontrar algum conhecido, e o cheiro do gás que já dominava até o quinto andar do prédio da gazeta logo nos expulsou de lá. Seguimos então de volta à rua, na direção do carro do nosso amigo. Carros da ROCAM e da Choque andavam pela Av. Paulista devagar, com seus passageiros analisando cada passo dos transeuntes. Não demorou para que a sirenes voltassem a soar, todos seguindo em diração ao MASP, aquele clima de medo, ainda novo para mim piorava. Entramos no carro e seguimos no caminho de casa, mas poucos metros antes da nossa entrada chegou a verdadeira surpresa. Um verdadeiro exército de policiais dominava a avenida e suas calçadas, um pequeno grupo de pessoas gritava, só consegui ver as luzes das motos militares no meio das pessoas. Eu e meu amigo já estávamos a pé novamente, o carro não nos seria de grande valia naquele momento então o estacionamos. Em busca de alguma segurança nos unimos a um grupo de fotógrafos e jornalistas, todos com crachá e câmeras na mão, e mais uma surpresa nos acometeu, relatos hediondos de que seus colegas de trabalho também haviam sido feridos pela polícia, histórias de outros jornalistas que serviram de alvo para aquele grupo de fardas e armas sem a capacidade de respeitar nossos direitos de ir e vir, de liberdade de expressão e de protesto público.
Já que a presença da imprensa não nos garantiria segurança alguma, partimos mais para a frente, passamos pelo MASP onde encontramos uma jovem manifestante que nos relatou atos mais atos de violência sofridos por ela, como por exemplo o momento em que a polícia encurralou os manifestantes na esquina da Rua da Consolação com a Maria Antônia, onde policiais jogaram bombas de “efeito moral” no meio grupo e criaram barreiras humanos ao seu redor, deixando-os completamente inofensivos. Mais alguns passos, decidimos acompanhar nossa nova conhecida até o metrô, tentar garantir-lhe alguma segurança, mesmo que pouca.
Voltamos a andar, encontramos um grupo da tropa de choque autuando alguns rapazes em um ponto de ônibus, um grupo de curiosos assistindo e muitas outras viaturas e policiais, havia ali pelo menos três vezes mais militares do que civis, a constatação de que a presença da polícia causava pânico na população me fez lembrar das histórias da ditadura que houvi nas aulas do colégio. Um advogado, muito corajoso, enfrentou a polícia que fez o que podia, mas principalmente o que não podia, para intimidá-lo, mas não conseguiram. Alguns minutos de bate boca depois a polícia liberou os rapazes, que saíram pelo meio da pequena multidão ao som de aplausos e palmas. Não sei se a alegria era pela liberdade ou pela consciência de que não seriam machucados.
O último relato que ouvimos foi de um jovem estudante de Publicidade e Propaganda da Universidade São Judas, que além de nos contar mais uma série de atos violentos por parte da polícia, nos revelou um sentimento curioso, de estar sozinho nas manifestações, não ter companhia para participar mais ativamente dos atos de protesto. Então, para terminar este texto eu deixo o meu recado ao Sidnei e à todos os outros que se sentem sozinhos: olhe em volta, veja quantos de nós foram as ruas, veja o que estamos fazendo e perceba que não, você não está sozinho, pela primeira vez em muitos anos eu posso dizer que finalmente estamos juntos.
Talvez não todos, mas muitos de nós estão nessa mesma briga, nessa mesma impotência, nessa mesma violência. Nos poucos minutos que andei pela Paulista após a manifestação tive contato com pelo menos 7 pessoas que partilham dos mesmos interesses e ideais e mesmo que não as veja mais, tenho certeza que estaremos todos juntos nos próximos eventos, tenho certeza que seremos, mais uma vez o “brasil de todos” como gosta de advertir nosso governo.
Agora a luta não é mais por 20 centavos, agora a luta é pela liberdade que nos foi tirada sorrateiramente, pelo fim da ditadura silenciosa, agora lutamos pela dignidade.
Um comentário:
Obrigado pelo elogio ao texto e pelo compartilhamento. Abraços.
Postar um comentário