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quarta-feira, 12 de março de 2014

Um primeiro balanço do papado de Francisco, pelas Católicas pelo Direito de Decidir.

Abaixo, trago um primeiro balanço do papado de Francisco, feito pelas Católicas pelo Direito de Decidir, publicado por Bob Fernandes, no Terra Magazine.

Em breve, pela importância do tema, trarei outros textos sobre o tema.

Abraços

Adriano Espíndola

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“É um papado contraditório”, dizem ‘Católicas pelo Direito de Decidir’ sobre Papa Francisco

O Papa Francisco I, que comemora um ano à frente da Igreja Católica (Foto: AFP)

POR RODRIGO RODRIGUES

Dia 13 de março fecha-se o ciclo do primeiro ano de reinado do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio à frente da Igreja Católica, onde adotou o nome de Francisco. 

Nesses 365 dias, a homenagem do novo papa a São Francisco de Assis, o santo dos pobres, animais e maltrapilhos, tem sido evidenciada na maioria dos discursos do sumo pontífice, que prega a igualdade social, a luta contra a injustiça financeira e a paz. 

Com carisma incontestável e eleito o homem do ano de 2013 pela revista norte-americana ‘Time’, a mais importante publicação do mundo, o Papa Francisco tem demonstrado coragem em promover reformas no Banco do Vaticano, condenar a pedofilia e consultar as bases religiosas na busca por menos pompa e mais ação dentro das estruturas do Vaticano.

Para a ONG ‘Católicas pelo Direito de Decidir’, grupo de religiosas feministas que pregam desde 1993 mais igualdade dentro da Igreja Católica no Brasil, é preciso celebrar o novo papa, mas também cobrar pelas omissões: 

“O novo papa tem um estilo pessoal e carismático mais simples, que nós consideramos muito importante para dar outra imagem para a Igreja Católica. Mas em relação às questões que dizem respeito à defesa da autonomia e da vida das mulheres, esse papa está na mesma linha dos anteriores”, apponta Maria José Rosado Nunes, professora no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC-SP e presidente da entidade.  

Numa entrevista franca e analítica, Rosado Nunes explicita o que ela chama de “ambigüidades” e “contradições” do novo papa e faz um diagnóstico nada otimista sobre as possíveis mudanças na postura da Igreja em assuntos como homossexualidade, casamento de padres e ordenação de mulheres. 

Confira a entrevista completa de Maria José Rosado Nunes ao Terra Magazine

Como a sra avalia esse primeiro ano do Papa Francisco I? Há o que comemorar?

É um papado muito contraditório. Por um lado, nós avaliamos muito positivamente algumas atitudes e propostas dele, como ter instalado uma forma mais simples para o exercício do cargo, evitando a pompa e circunstâncias e os sapados Prada, como o Bento XVI. O novo papa tem um estilo pessoal e carismático mais simples, que nós consideramos muito importante para dar outra imagem para a Igreja Católica. É uma maneira muito distinta dos dois últimos papas que ocuparam a cadeira. Ele parece estar corajosamente enfrentando as questões das finanças do Vaticano e da pedofilia, onde tem tido uma postura muito dura. O que é muito bom também. Mas em relação às questões que dizem respeito à defesa da autonomia e da vida das mulheres, esse papa está na mesma linha dos anteriores. 

Que indícios existem para afirmar que as mudanças em relação às mulheres não estão caminhando adequadamente?

O papa Bento XVI havia feito uma intervenção na convenção das freiras e religiosas americanas, que sempre foi uma conferência autônoma, dirigida pelas próprias religiosas e teólogas do continente. Ele colocou um membro homem do clero para presidir o evento e, de alguma maneira, na visão dele, “colocar ordem” no grupo. Porque muitas delas são muito ativas e várias já se declararam a favor dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, e mesmo sobre o direito de aborto em certas situações. Quando o papa Francisco entrou poderia ter encontrado um jeito de revogar essa intervenção, mas até agora não o fez. Ele também já se manifestou claramente contra o sacerdócio feminino no clero. Ora, em que áreas da sociedade hoje a mulher não pode atuar? Nenhuma. Elas estão até na linha de frente dos exércitos, da política. Nós temos o exemplo do Chile, do Brasil e da Argentina, onde a autoridade máxima é uma mulher, como a presidente Dilma. Mas na Igreja elas não podem ter o exercício do poder religioso e não têm o poder de atuar na elaboração das doutrinas morais e religiosas. Elas também não podem opinar sobre os rumos pastorais da Igreja, só porque são mulheres. Significa que a Igreja Católica e esse papa continuam considerando que nós, mulheres, somos de uma categoria inferior aos homens e continuamos sendo aquelas que poluem o sagrado. 

Nas palestras, você comenta que a obrigatoriedade do celibato também está ligada ao preconceito contra a mulher dentro da Igreja. Como isso se dá?

O sacerdote não pode ser casado porque ele está impedido de ligar a comunidade à divindade, que seria Jesus Cristo, segundo a atual doutrina. Por quê? Porque ele tocou em mulher. Logo, nós continuamos sendo aqueles seres inferiores que poluem o sacerdócio, incapazes de conduzir os rumos da sua própria fé e da sua própria Igreja.

A professora Maria José Rosado Nunes, presidente da ONG 'Católicas pelo Direito de Decidir' (Foto: Reprodução)

A professora Maria José Rosado Nunes, presidente da ONG 'Católicas pelo Direito de Decidir' (Foto: Reprodução TV Cultura)

Sobre os direitos dos homossexuais serem recebidos nas igrejas, a declaração dele de igualdade aqui no Brasil, na última visita, não foi um avanço?

Sim. Mas ele é um jesuíta e, portanto, sabe manejar as questões políticas. Na visita ao Brasil o novo papa nada falou das questões políticas. Apenas dos homossexuais. Mas novamente aí temos a contradição. Naquela ocasião, o novo papa disse “quem ou eu para julgar os homossexuais?”. Foi uma declaração muito positiva, onde ele defendeu que a sociedade deva dar aos homossexuais, homens e mulheres, seus devidos direitos universais. Mas, ora, dar os direitos inclui também o sacramento do matrimônio. O discurso dele não pode excluir a Igreja. O matrimônio, portanto, deveria ser considerado nessa questão. Mas isso não está no horizonte. É um papa com muita ambigüidade. 

Essa defesa que o papa Francisco faz da Justiça social é um flerte com a chamada ‘Teologia da Libertação’?

Ele tem uma postura muito interessante com a ‘Teologia da Libertação’, centrada na defesa da Justiça Social e no trabalho com os pobres. Ele coloca a Injustiça oriunda da Desigualdade Social no centro da pregação da Igreja, enquanto Bento XVI e João Paulo II condenaram e perseguiram os teólogos como Leonardo Boff e Ivone Gebara, uma teóloga feminista que apoiava o aborto. Esse papa tem demonstrado que não segue essa linha de condenação, apesar de não falar abertamente sobre esse pensamento. Mas acho que está longe de fazer uma defesa explícita, temendo conflitos internos. 

Que conflitos são esses?

Pouco tempo atrás, o grupo ligado ao agora papa emérito, Bento XVI, voltou a condenar a ‘Teologia da Libertação’. Isso explicita um problema sério ao qual a Igreja Católica tem passado em relação a esse tema. Não podemos nos esquecer que o Vaticano está rodeado de máfias italianas nas cidades vizinhas. Nós sempre nos perguntamos se esse estilo mafioso de fazer política não é empregado também dentro da cúpula do Vaticano, impedindo os avanços ideológicos. Esses grupos são contrários a condenação explícita de padres por pedofilia, a condenação dos que desviaram dinheiro do Vaticano. Eles têm feito ataques sistemáticos e violentos contra o papa Francisco. Quem acompanha os debates sabe que é um papado sob intenso ataque interno de todos os lados. É um papado de conflito interno explícito, de cardeais e bispos contrários à linha social que Francisco I tem implantado. É uma postura que coloca no pastorado, não na instituição ou no poder político e religioso, a força da Igreja Católica. E nós estamos de acordo com isso. 

O aborto ainda é um dogma dentro da Igreja Católica. E nada se vê de mudança nessa postura. A sra vê chances de revisão dessa doutrina ?

Poucos dias depois de assumir, o papa discursou sobre o descarte dos seres humanos na atual forma capitalista de organizar a sociedade. Segundo ele, é uma forma de isolar e marginalizar as pessoas. O papa usou o termo “descarte” muito bem. Mas no mesmo balaio colou negros, gays, pobres, crianças e bandidos, junto com as mulheres que fazem aborto. Ou seja, é uma condenação ética e moral das mulheres que fazem aborto. Ele apoiou e apóia explicitamente os chamados grupos “pró-vida”. Para nós que queremos o discurso ideológico feminista, que queremos que os nossos entendimentos sejam levados em conta pelas lideranças do Vaticano, é uma derrota. E mostra que nada disso está no horizonte desse papado. 

A Igreja Católica no Brasil tem respondido positivamente o convite do papa Francisco de aproximação com os pobres?

O que vejo no cenário atual é que todo o grupo da Igreja que se manteve fiel à 'Teologia da Libertação', apesar da perseguição do João Paulo II e do Bento XVI, eles se mantém muito vivos e ativos com a proposta de fortalecimento das comunidades eclesiais de base. Com essas diretrizes do novo papa, esse grupo se sente muito mais confortável em continuar o trabalho pastoral de Justiça Social. Não só aqui, como na América Latina toda, onde a distância entre as classes é abissal, imoral e antiética. O próprio papa mandou uma mensagem para eles durante o encontro eclesial do grupo aqui no Brasil, que trouxe gente de outros países da região. Mas a composição da hierarquia da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e do clero nacional é resultado de um trabalho político muito cuidadoso do João Paulo II e Bento XVI. É um clero totalmente distante da centralidade da Justiça Social. Se efeito haverá dessa nova fase por aqui, creio que eles demorarão. Vai depender de como vai se desenrolar o novo papado e quanto tempo ele durará. Porque a estrutura hoje é resultado de tudo que foi feito nos últimos 25 anos. Para mudar, é preciso pelo menos mais uns vinte anos. 

Fonte: Terra Magazine, clique aqui e visite

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