por Fabiano Amorim
“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”
(Paulo Freire)
Eu acho o ritmo do funk muito interessante. Particularmente gosto muito da sua batida. Quando estou numa festa e começa a tocar um funk não hesito em começar a dançar. Creio que uma das músicas que melhor traduzem o funk seja aquela que diz “É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado”.
Jamais gostei daqueles funks com linguagem excessivamente chula, independentemente do ritmo. Gosto muito de músicas ao estilo de “Abre Alas” e “Ela é top” do MC Bola, de “Se ela dança eu danço” e outras do MC Leozinho, algumas do Naldo, MC Koringa e alguns outros. Sei que boa parte dessas músicas possuem letras muito bobas, mas para mim são até toleráveis devido ao ritmo delas.
De uns tempos para cá comecei a ver uma nova cultura surgindo no funk, a do “Funk Ostentação”. Ouvi um pouco dessas músicas e vi que algumas possuem até um ritmo muito gostoso de ouvir. Mas fiquei horrorizado com o conteúdo altamente destrutivo contido em suas letras.
Ostentação, palavra que eu gosto de ouvir
Se me quer do seu lado, tem que me fazer rir [dar dinheiro]
Vem me buscar de Hornet, R1, RR [motos caras]
Me dá condição
Deixa eu totalmente louca, chapadona de Chandon [marca de champagne]
Gosto de gastar, isso não é novidade
Hoje eu já torrei mais de dez mil com a minha vaidade
(Trecho da música “Mulher do poder” cantada pela Mc Pocahontas)
As letras mais comuns de funk, quando cantadas por homens, em sua maioria falam apenas sobre transar com mulheres gostosas. No funk ostentação as letras falam sobre ter veículos potentes, ter roupas caras, bebidas caras, muito dinheiro no bolso, dentre outras coisas, para… transar com mulheres gostosas.
As letras mais comuns de funk, quando cantadas por mulheres, falam sobre o direito de elas transarem com quem quiserem, em ser amantes, ou possuem letras de provocação a outras mulheres. No funk ostentação as letras falam sobre ter roupas de grife, bolsas e outros acessórios de luxo caríssimos, muitas jóias, dentre outras coisas, muitas vezes conseguindo isso através da sedução de homens ricos, como mostra a letra da música da MC Pocahontas citada a pouco.
Como se pode perceber, o funk ostentação não fez uma mudança radical nas letras das músicas, apenas acrescentou os elementos de ostentação de riquezas nos tipos de letras já existentes nas músicas desse ritmo.
O que me parece ser uma mudança radical nessa cultura que o funk ostentação traz é que o antigo ódio aos playboys e patricinhas, normalmente sentidos pelos moradores de periferia, pelo fato de serem discriminados por eles, converte-se em admiração. O morador da periferia parece não ter mais raiva do playboy. Ele quer ser um playboy e estou falando isso no pior sentido do termo.
O playboy, aquela figura rica, esnobe, que ri daqueles que não são tão ricos quanto ele, que quer esfregar sua riqueza na cara de todo mundo, que chega num bar rodeado de “amigos” (tipo o rei do camarote) e pede as bebidas mais caras numa tentativa de mostrar que é mais poderoso que todos ali naquele bar. Essa figura asquerosa parece estar se tornando o modelo a ser perseguido. O mesmo posso dizer das meninas com relação às patricinhas.
Ao ver clipes de funk ostentação com 20 milhões de acessos, eu fico pensando em quantas dessas pessoas estão assistindo em admiração às letras das músicas e ao que elas representam e quantas estão assistindo apenas por causa das mulheres com corpos esculturais rebolando.
O funk ostentação é um estilo musical que é um reflexo do tipo de sociedade em que vivemos hoje: a sociedade do consumo. A grande mídia, a todo momento, nos estimula a acreditar que só seremos incluídos na sociedade se formos “bons consumidores”. Para ser legal você precisa ter aquele tênis, as roupas daquela grife, precisa ter aquele tipo de carro, precisa gostar de frequentar aqueles lugares, dentre várias outras recomendações que vêm sempre em mensagens subliminares. Além de fazer você desejar ter aqueles produtos, faz você se sentir mal por não possuí-los e admirar (ou invejar) quem os possui.
O funk ostentação entra nesse contexto fazendo o mesmo trabalho que a grande mídia, mas através de uma idolatria do consumismo de forma bem escancarada. Pregam uma forma consumo totalmente insustentável, que leva muitos a ter dificuldades econômicas, como no caso da “IT Girl” Yasmin Oliveira de 15 anos, que faz sua mãe diarista gastar 500 reais num tênis muito simplório, por sentir prazer em estar usando a marca Osklen.
Os pais desses jovens muitas vezes para compensar o excesso de trabalho no dia-a-dia, que os faz passar pouco tempo com os filhos, realizam todos os gostos deles. Alguns ficam bem endividados por causa disso. Só que não percebem o circulo vicioso em que se metem. Eles passam pouco tempo com os filhos porque trabalham muito, aí compram muitas coisas caras para os filhos para compensarem sua ausência e depois têm de trabalhar ainda mais num segundo ou terceiro emprego para conseguir pagar todas as coisas caras que compraram para os filhos, aumentando sua ausência em casa e dando prosseguimento ao ciclo.
Mas uma coisa é bom deixar claro: toda essa cultura do consumismo exagerado não é culpa do funk ostentação. Ela já existia antes e continuará existindo depois que essa moda passar. É somente mais um dos elementos dessa cultura, que rapidamente é assimilada pelos jovens da periferia, mas não somente por eles. A grande mídia pelo visto adorou o funk ostentação, pois em muitos dos seus sites vemos várias reportagens sobre os funkeiros desse novo estilo e eles estão presentes com grande frequência nos programas de TV.
Também não considero ruim que as pessoas sonhem em ter uma vida melhor ou até em serem ricas. Isso sempre foi muito comum. As pessoas sempre sonharam em ser ricas. O problema que vejo nessa cultura do consumismo é fazer com que as pessoas orientem sua vida apenas na direção de serem melhores consumidores, que somente se sintam bem se consumirem coisas caras, que sintam prazer em mostrar a todos que elas podem ter esses produtos. Mas o pior é esnobarem e até se sentirem superiores a todos os outros que não podem ou não têm interesse em viver dessa maneira.
Muitos dos adolescentes infratores que cometem furtos e até assaltos fazem isso na intenção de comprar bens de consumo caros. Muitos ficam se sentindo péssimos por não terem um boné, um tênis ou uma camisa de marca, e aí resolvem encontrar um atalho para conseguir essas coisas. É por essa razão que alguns entram para o tráfico, pois é a saída mais rápida para um adolescente da favela entrar no “fabuloso” mundo do consumismo.
Seria muito bom se esse consumismo desenfreado passasse após a moda do funk ostentação ou do sertanejo ostentação (o sertanejo universitário está com cada vez mais ostentação), mas isso não vai acontecer. Talvez até se suavize, mas não tenho esperanças de que num futuro próximo esses viciados em consumo se tornem consumidores mais conscientes. O problema é bem mais sério e está muito enraizado na mente da maioria da população.
Como disse Will Smith: “Muitas pessoas gastam dinheiro que não têm, para comprar coisas que não precisam, para impressionar pessoas de que não gostam.”
Fonte: Jornalismo alternativo, o Blog de Fabiano Amorim, clique aqui e visite
Sobre o Autor
Fabiano Amorim é nascido em Palmeiras dos Índios, e atualmente mora em Maceió, Alagoas. Ele escreve no blog http://fabiano-amorim.blogspot.com.br. É autor do aclamado documentário “Derrubaram o Pinheirinho”, sobre a reintegração de posse do acampamento Pinheirinho em São Jose dos Campos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário